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PORPHYRIOS, O FLAUTISTA PÚRPURA

Vindo das dobras de Om,

onde o tempo dança com bruma,

sopra a flauta em pungi-tom

Porphyrios — de aura nenhuma,

de toda cor e nenhuma espuma.


É filho bastardo de Pan,

afilhado maroto de Exu,

com sopro que morde e afaga,

e risca no vento um tatu

que gira, entontece e divaga.


Já tocou pro Napoleão

com pife de bambu selvagem,

e fez Lampião dançar baião

no topo de uma laje em miragem

com um panda num 'pagode' chinês.


É pago com vento de outono,

com brisa que sopra do nada.

Fez solo de aurora boreal

na tenda da Meia-Noite encantada

com a trupe de circo e pecado.


Sua flauta é feita de doido,

de madeira que ri e delira.

Encanta sereia e viúva,

invade a saia que gira

no tom marrom de Tia Vanda na lira.


Já deu aula de assobio

aos caiporas e anjos do cio,

pôs clave de sol no ultravioleta

e ensinou harpa no cio frio

do Mestre dos Sonhos em vendaval quieto.


Foi trilha de cena softcore

e fundo azul de compacto infantil.

Nos 'lobos do cérebro' tocou jazz,

no ventre do inferno: um fado sutil.

Tocou até em samba de réquiem febril.


Domou as mênades em transe

que devoraram o velho Orfeu.

Semeia caos e acalma rebanhos,

sua música é névoa de céu

e chama que dança em lençol de véu.


Com o sax fez trio nas estrelas,

com Lavanda marcou o show final.

Pra contratá-lo, o preço é vento,

um beijo, um verso ou um sinal

riscado no vidro de um sonho banal.


Sua flauta doce — de hidromel,

sua capa — da lembrança marrom.

Porphyrios passa e o mundo muda:

cinza ganha seu tom com som

e o real se curva, se desnuda.


E se o mundo acabar num acorde,

no Juízo Final do trovão,

Porphyrios estará no palco,

dando entrada ao refrão

com um solo tão lindo — que salva.


*Com Gepeto no meio dessa fanfarra!

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