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ZANZA & BELERO

Lá no sub-bairro entre viela e varal,

onde o céu tem mais fio que firmamento,

há uma moça que sobe num vendaval

todo fim de tarde, sem um lamento —

Zanza, a dona de casa que voa no tempo.


Belero a espera no terraço, rilhando

o casco alado no azulejo gasto.

É branco, reluzente, de prumo brando —

pégaso vindo, talvez, de algum pasto

entre Helicon e os quintais do Encantado.


As comadres param o mexido na panela:

— Vixi, lá vai ela de novo na asa!

— Não é aquela a mulher do Protético, a bela?

— Ele deixa, mas disse: “Não passa de casa…”

Só que Zanza some no céu feito brasa.


Prometeu voar só até a padaria,

mas deu voltas ao mundo num trote leve:

salta arco-íris, faz curva em nuvem fria,

grita “Arroboboi!” pra Oxumarê, tão breve,

e volta só depois que o sol já se atreve.


Apolo, dizem, mandou-lhe bilhetinho —

Hélio piscou da carruagem flamejante.

Ela voa entre astros com jeitinho

de quem pendura roupa e, num instante,

vira dríade em amoreira ofegante.


Talhada a malhação, como Salmacis formosa,

de Vênus de Milo ela herdou o mistério.

Tem Adônis no sangue, aura poderosa,

e assina “Moreira Moreira” no império

das contas de luz, do beiral, do critério.


Zanza bebeu da fonte de Pirene,

voltou com cheiro de flor e orvalho grego.

Deixou um beijo na crina de um duende

e fez da auréola de anjo um doce apego,

que pendurou na parede ao lado do espelho.


Ela já foi constelação de seu signo,

atravessou a de Unicórnio sem vacilo.

Cada faísca do casco de Belero é destino

de estrela nova que brilha de estilo

em céu suburbano — verso, brilho e sigilo.


Enquanto isso, no portão:

— Oxe… já voltou a Zanza do passeio?

— Ih, menina… ela é que voltou não.

Foi só a sombra dela passando no meio —

um clarão de auréola, um rastro alheio…


No quintal, só restam sabugos de sonho

e o cheiro de jasmim que paira no fogão.

Belero relincha, o sol boceja tristonho —

porque o subúrbio, desde então,

tem hora marcada com a imaginação.


*Com 'Bardus Gepetus'!

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