'Zé Cambito, cangaceiro poeta,
e sua amada Catita, musa pandeirista do além,
seguem voando num cavalo entalhado de xilogravura
com a missão de semear poesia onde a dor seca a alma.'
No lombo de um cavalo
de crina toda entalhada,
voavam pelo Nordeste
Catita — a enamorada —
e Zé Cambito, poeta,
com alma encantada e armada.
Vinham de longe, de longe,
dos confins do não-lugar,
levando verso e miragem
pro sertão ressuscitar;
plantando flor no lajedo,
botando o mundo a sonhar.
Por cima da Caatinga
de espinho, sede e calango,
pairavam feito assombração
com aura de orixango,
até que o chão se estremece
com um rugido mais que bangu.
De dentro de um mandacaru
sai um bicho desgrenhado —
era um dragão sem escama,
ressecado e revoltado:
um calango da miséria
pelo sol amaldiçoado!
“Não passa ninguém aqui!”
— bramou com voz de trovão —
“sou o Dragão da Verdade,
sou a Seca e o Coração,
queimando a rima do povo
com a chama da privação!”
Catita tirou o pandeiro,
Zé Cambito afinou o tom:
“Pois se quer barrar poeta,
chegue então com seu gogó!
Lhe proponho um desafio:
duelo de rima e dom!”
O Dragão arreganhou
sua goela esturricada
e disse, batendo a unha:
“Comece a peleja ousada —
mas aviso: a poesia
aqui não vale de nada!”
Zé Cambito se adiantou
com Catita ao seu redor
e respondeu no repente,
com olhar firme e maior:
“Quem diz que arte não serve
é porque perdeu o suor!”
O Dragão cuspiu pobreza,
desemprego e confusão,
falou do preço do milho,
da falta de educação,
da casa sem reboco
e do medo do patrão.
Mas Catita rebateu
com um toque de claridade:
“Se há dureza na ladeira,
há beleza na vontade —
e a poesia é a água
que amansa a realidade.”
Zé cantou o riso antigo
de um avô sem colher nada,
mas que ao ver seu bisneto
dançar verso na calçada,
descobriu que a esperança
também brota da enxada.
O Dragão já tropeçava,
soprando fraco e cansado,
e num lampejo de luz
ficou meio abobalhado...
Catita assoviou doce
e ele virou... um cãozinho aclamado!
Com a língua pra fora e o rabo
abanando a calmaria,
saltou no colo da moça
feito fosse uma alegria —
e o sertão ganhou um oásis
de poesia e fantasia.
Zé Cambito e sua amada
seguiram viagem, então,
com o Boca Preta ao lado
e a rima no coração —
que no sertão mais sofrido
poesia é salvação!
*Com Mestre Gepeto!
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