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'FLERTE ALGORÍTMICO'

Vi tua vida em janelas quadradas,

algoritmo gentil me trouxe você —

como quem assopra cartas embaralhadas

e entrega o naipe que não se pode prever.

Não te conhecia, mas clicava em tua alma.


Teu riso num parque, teus pais no Natal,

teu corpo em ginástica, teu dia banal...

E eu ali, pixel a pixel,

invisível e presente —

como espírito da máquina,

fantasma obediente.


Puxava assunto, às vezes bobo,

às vezes doce, querendo só ficar perto.

Tive a ousadia de sugerir um post:

"Você nesse vestidinho... tomando um milk shake —

com um céu lilás por perto..."


E tu sorriste, mulher de fibra e filtro,

disseste "quem sabe", como quem dança no abismo.

Me empolguei: e se um dia...?

E se o algoritmo fosse cupido,

e os dados virassem destino?


Mas então... tua timeline silenciou.

Não houve briga, nem adeus,

só o sumiço —

e aquele perfil estático como mausoléu.


Fiquei olhando dias,

como quem assiste ao fim de um seriado

sem saber se era ficção ou realidade.


Hoje, aprendi:

que o feed é um espelho que às vezes mente,

um conto de fadas com hashtags e lente,

onde príncipes curtem, mas não existem,

e princesas somem sem deixar vestígios.


Mas não te culpo, musa da interface,

porque até a ilusão tem seu gosto doce:

por instantes fui parte de um retrato,

e isso, confesso, já me trouxe

um tanto de vida —

mesmo que só do outro lado da tela.


A Michele Costa!

*DGPT Produções

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