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'NATIVIDADE DO CARANGOLA'

Eu era da roça sendo nascido e criado na cidade grande...
Tendo usado roupas e aparelhos da moda 
Dentre outros costumes urbanóides!
Tenho orgulho de dizer que gosto de mascar capim 
Ao invés de chiclete, de falar com aquele sotaque
Ao invés dessas gírias, e de deitar de papo pro ar
Após o almoço ou do comer, num 'bambuzá'!
Respirar um ar puro, sentir o cheiro do campo, do barro
Do estrume daquelas vacas que disputavam o trânsito
Daquele ‘chão batido’...!
Ou deste mesmo estrume queimado durante a noite para espantar aqueles mosquitos!
Eu sou da roça como minhas lembranças e minhas raízes...
Raízes brotadas naquele barro tabatinga,
Herança herdada da parte de minha mãe e de uma árvore genealógica
Que eu adorava trepar junto com aqueles goiabeiras e mangueiras de lá!
Lá não tinha luz elétrica,TV, praia, qualquer recurso, meios ou ‘esse progresso’
junto a sua devastação!
Mas tinha a luz das estrelas, a orquestra dos grilos, e éramos acordados 
Pelo canto do galo ou daquele ‘misterioso boiadeiro’ a juntar os bois de seu patrão 
na madrugada!
Um prato de angu sobre a mesa a enrijecer para a janta 'às quatro da tarde',
a cachoeira na laje para o meu banho de turista...
Lá onde fui explorador, ‘combatente da guerra do Golfo’, ‘Vietnã’, samurai 
e criança pra poder ser tudo!
Onde ouvi 'causos' sobre lobisomens, fui o próprio saci e correndo no terreiro, 
Sem querer pisei numa cobra pelo caminho!
Trago num borná, lembranças daquela roça, daquela velha ponte sobre aquele rio,
A pescaria com tarrafa, aquela casa de pau-a-pique com suas assustadoras 'viúvas negras'
sob aquele teto assentadas com suas teias...!
E até mesmo todas aquelas moscas!
Minha avó materna que hoje habita aquele céu mesmo estrelado, meus dois tios que hoje mudaram de 'lida' ou de 'campo'...!
Eu me lembro de pegar o caminhão leiteiro como condução, de andar descalço naquele terreiro, tomar papa de milho, garapa, leite de cabra...
Pra lá levamos guitarras e música eletrônica enquanto o ritmo era o sertanejo!
Pra lá levamos a nossa alegria e ninguém se lembrava da vida sofrida que levava 
cada um daqueles personagens!
Tenho orgulho de dizer que comi comida feita em fogão de lenha, 
de também ter sentido o aroma e ter tomado daquele café de 'dois tons' 
e delícias!
Tenho orgulho de dizer ou falar como eles falavam...
E dizer ter chupado 'mexerica' ao invés de tangerina e de ter me interessado 
pelas tabaroazinhas de ‘saias herdadas’ e 'lambretas', como eles chamavam os chinelos!
De brincar com os meus 'hominhos' no terreiro, de sujar os pés com aquele barro tão vermelho,
de ser alumiado por lamparina e de andar de charrete como um 'bom cowboy'!
A roça com suas sanfonas de forró e as gingas do palhaço de Folia de Reis...!
Pra roça eu escrevo esse ‘idílio’, eu levei minha infância, meus sonhos, 
boa parte da minha vida, e de lá trago lembranças, alegrias e saudades na mala!

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