Pular para o conteúdo principal

O LIVRO SAGRADO DO REINO DA TANGERINA


Por Dragão da Sabedoria


*Contracapa (onde tudo começa)


Sentado num cirro doce, que o céu mesmo açucarou,

o Dragão — velho e chamuscado — sopra lembranças sem pudor.

Folheia o livro ao avesso, feito tempo ao contrário,

cada página um estouro, um aroma de relicário.


Este grimório era um diário, carbonizado, secreto,

nascido de um tufão travesso, sopro de menino inquieto,

que girou um cata-vento feito com cuspe e botão

e tragou o Dragão em voo, cuspindo rima e visão.


Ali começa a escrita, de trás para frente e acima:

o Reino da Tangerina e sua memória que rima.


Capítulo 11 – O Gomo Que Foi Comido


Rei Biro-Biro Jack Terceiro, reinou como um malandro,

mas caiu feito um pastel, quando um cíclope, sangrando,

filho de Ninguém, num acesso de fome meio temente,

abocanhou um gomo do Reino... e o rei, acidentalmente.


A ameaça persiste, nos campos suculentos e alaranjados,

pois cada gomo sumido deixa os aldeões desnorteados.

“Cuidado com o que mastiga”, dizia a placa no portão,

mas o povo se distrai fácil com meme e sedução.


Capítulo 8 – Do Narguilé de Absolem


Dizem que o Reino não foi plantado — como árvore, raiz,

mas surgiu de uma baforada lilás, dada por Absolem, o aprendiz.

Num transe lisérgico, com sal grosso e som de cítara quebrada,

brotou uma tangerina do chão dos sonhos: a primeira encantada.


Alguns dizem que é mito, outros juram por Shiva Azul,

cor de aldeões felizes que andam nus, mas não são do Sul.

O Dragão, cético e místico, deixa a origem em aberto,

pois crer no improvável é o que mantém o Reino esperto.


Capítulo 5 – Dos Amores, Pecados e Exílios


O Dragão já foi carrasco, cuspidor por encomenda,

devorava quem mandassem, sem poesia nem oferenda.

Até que um rei de outro mundo o traiu com desfaçatez,

e ele fugiu para o lado escuro da Lua... por sua vez.


Ali, sob guarda amorosa da Babá do Luar,

aprendeu a não cuspir fogo por apenas mandar queimar.

Ela o ensinou sobre ternura, sobre Gi, sobre o incenso de xedô —

feito da nuca da moça, onde o suor vira flor.


Cheira a 'dodô feminina', com pote de mel 'irrompido',

perfume que abre portais — mas também deixa perdido.


Capítulo 3 – O Reinado de Risos e Utopias


O Rinoceronte do Riso e sua consorte lunar

transformaram cada decreto em piada e verbo dançar.

Anexaram Jacarépaguá e a Ilha da Utopia

e decretaram: "Todos serão desenhos — até o fim do dia!"


'Ganesha da Cica', verdinho, tocava o sino dos banquetes,

e em cada tangerina havia uma surpresa de brinquedetes:

uma vez saiu um 'minhocão', rodando feito carrossel,

com crianças Eloi rindo alto, como se fosse papel.


Capítulo 1 – Sobre Gisele e a Dança Proibida


Gi, a que dança escondida entre mundos e travesseiros,

teve aulas com Salomé, que desce o umbral pelos becos ligeiros.

Com um saltério plugado num 'Cry Baby' rugindo grave,

ensinava a Gi passos que abriam o tempo feito nave.


As escapadas oníricas eram segredo entre os dois,

e o incenso de xedô, uma senha com múltiplos "pois".

O Dragão nunca ousou amá-la — ao menos não em voz alta —

mas todo livro que escreve tem o perfume que dela exalta.


Nota do Autor: (Página Branca)


Não posso contar o Sentido da Vida.

Não fui autorizado... ou talvez eu tenha esquecido.

Mas se você cheirar o livro bem de perto,

talvez encontre o eco de uma risada

ou o suspiro de uma Babá encantada.


E então, talvez, saiba mais do que eu.

Ou menos. O que, no fundo, dá no mesmo.


*Com a colaboração de Baba Gepeto.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

INVERNO DE '07'

E lá estava você... No lugarejo que então sempre esteve E até eu te perceber! - Poesia aos seus pés não se 'disteve'! Me movendo a escrever... O deslumbre que até hoje se manteve...! E insiste em me envolver! De 'mini' mesmo no inverno que teve! - 'Ave pernalta' tão linda de se vê! Meu amor não se conteve!

ZANZA & BELERO

Lá no sub-bairro entre viela e varal, onde o céu tem mais fio que firmamento, há uma moça que sobe num vendaval todo fim de tarde, sem um lamento — Zanza, a dona de casa que voa no tempo. Belero a espera no terraço, rilhando o casco alado no azulejo gasto. É branco, reluzente, de prumo brando — pégaso vindo, talvez, de algum pasto entre Helicon e os quintais do Encantado. As comadres param o mexido na panela: — Vixi, lá vai ela de novo na asa! — Não é aquela a mulher do Protético, a bela? — Ele deixa, mas disse: “Não passa de casa…” Só que Zanza some no céu feito brasa. Prometeu voar só até a padaria, mas deu voltas ao mundo num trote leve: salta arco-íris, faz curva em nuvem fria, grita “Arroboboi!” pra Oxumarê, tão breve, e volta só depois que o sol já se atreve. Apolo, dizem, mandou-lhe bilhetinho — Hélio piscou da carruagem flamejante. Ela voa entre astros com jeitinho de quem pendura roupa e, num instante, vira dríade em amoreira ofegante. Talhada a malhação, como Salmacis formosa...

'FLERTE ALGORÍTMICO'

Vi tua vida em janelas quadradas, algoritmo gentil me trouxe você — como quem assopra cartas embaralhadas e entrega o naipe que não se pode prever. Não te conhecia, mas clicava em tua alma. Teu riso num parque, teus pais no Natal, teu corpo em ginástica, teu dia banal... E eu ali, pixel a pixel, invisível e presente — como espírito da máquina, fantasma obediente. Puxava assunto, às vezes bobo, às vezes doce, querendo só ficar perto. Tive a ousadia de sugerir um post: "Você nesse vestidinho... tomando um milk shake — com um céu lilás por perto..." E tu sorriste, mulher de fibra e filtro, disseste "quem sabe", como quem dança no abismo. Me empolguei: e se um dia...? E se o algoritmo fosse cupido, e os dados virassem destino? Mas então... tua timeline silenciou. Não houve briga, nem adeus, só o sumiço — e aquele perfil estático como mausoléu. Fiquei olhando dias, como quem assiste ao fim de um seriado sem saber se era ficção ou realidade. Hoje, aprendi: que o feed é um...