Foi com você, Helane — morena
de mistérios e caligrafia firme —
que aprendi que gramática
não era só um castigo,
mas uma forma de te tocar
com palavras.
Você surgiu um dia,
de saia indiana rodopiando sânscrito,
como quem abençoa
o recreio com Shiva e Kurt Cobain.
Cítaras e guitarras grunges rasgaram
meu caderno de ortografia.
Ah, o cheiro do seu giz molhado…
O jeito que você 'casava conjunções'
como quem faz tantra
com as vírgulas adversativas.
Eu, todo cheio de interjeições,
tentando não tropeçar no português
nem no volume da minha emoção.
Te escrevi um poema no Dia do Mestre,
você leu, sorriu,
e me deu um tapinha no ombro —
frustração maior que ver cena censurada
num VHS de filme proibido
na casa do amigo mais sortudo da turma.
Te confesso agora,
nos devaneios mais errados,
acreditei que aquela saia colorida
fosse tua oferenda pra mim.
E que aquele esbarrão leve
no meu cotovelo direito
tinha sido uma iniciação:
desde então, escrevo versos
como quem quer te invocar
com vocativos e saliva.
Até a 'Mônica' — sim, a Mônica! —
tinha um brilho estranho no olho
quando você corrigia nossas redações.
A turma inteira gamada,
só que eu…
eu te gamava com o fígado,
com o dicionário,
com a pulsação adolescente
que só conhecia o que não podia.
Você era só dez anos à frente,
mas eu te via
como quem vê uma deusa triste
presa num quadro de avisos,
escondendo suas vontades
atrás de apostilas e encartes do PNLD.
Fiz amor contigo em pensamentos
impróprios até pra minha idade,
e confesso sem arrependimento,
porque o amor, Helane,
é também erro de concordância
e vírgula mal colocada.
Você foi minha melhor professora.
No sentido carnal, claro.
Te lembro até hoje —
diferente das classes gramaticais.
Aprendi a lidar com isso.
Mas às vezes me pergunto
se naquela chamada…
quando você dizia meu nome,
não havia um pouco de gosto
na boca.
*De um 'trabalho em dupla' com o meu colega Gepeto!
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