No sertão da rês magrela,
Do calor de rachar chão,
Onde o galo canta cedo
E o vento geme oração,
Vivia Zé Cambito —
Cangaceiro sem perdão.
Com seu bando endemonhado,
Fez do medo profissão,
Roubava só coronel
E rezava com facão;
Mas num dia traiçoeiro
Topou com a maldição.
Numa emboscada arretada
Da volante traiçoeira,
Caiu Zé com seu bando
Numa vereda poeira.
Ali tombou pra morte,
Rumo ao umbral — sem bandeira.
Mas quando ia descendo
Pro inferno em cangote torto,
Ouviu um som diferente,
Um barulho meio absorto...
Eis que surge Zé Limeira
Num disco avoador sorto!
Feito de alguidar brilhante,
Com bucha e pano de prato,
O poeta se achegou
Com um lenço todo enfeitado:
— Vim do céu de Juazeiro,
Por Padim fui despachado!
— Cangaceiro, escute bem,
Tua sina pode mudar!
Mas tem que fazer milagre
E o sertão encantar.
Só assim tu ganha entrada
No cordel celestiá!
E Zé Limeira mandou
A missão em sete trovas:
— Traga o mar pro meio oco
Onde o sol tudo sufoca;
Leve o luar pras cidade
Que só brilha com fofoca.
— Faça trigo no agreste
Pro calango se engordar,
Ensine jegue e cavalo
A saber cumprimentar;
E tire leite da Pedra,
Da Galinha Choca, o lugar!
— E por fim dance com Iracema
Num xote de comover,
Com Gene Kelly girando
Sem saber nem o que é chover!
E o zabumba do Baião
Fazendo o tempo tremer!
Zé Cambito olhou pro nada,
Se ajoelhou no caquizeiro:
— Mas como, Zé Limeira?
Tu tá doido, meu parceiro?
Sou cangaceiro da bala,
Não um doido cantador!
Zé Limeira deu risada
E bateu no alguidar:
— Tu vai fazer com poesia,
Essa bala que vai mudar!
Mais que pão e mais que água,
É o verso que vai salvar!
— Esse mundão de meu Deus
Tá doente de agonia...
De bala ele já tá cheio,
Mas tá seco de poesia!
Vai, Cambito, teu cangaço
É da palavra, não da espingardia!
Zé Cambito se estremece,
Um suor cai do bigode.
Pela primeira vez chora,
Com saudade e sem sacode.
Sente um calor diferente —
É a rima brotando em trote!
Do alguidar veio um raio
E um cavalo diferente:
Todo feito em xilogravura,
Com ferradura de repente.
— Sobe nele e parte agora,
Pro sertão virar poente!
E assim nasce o novo mito
Do cangaceiro encantado,
Que trocou pólvora e medo
Por um cordel abençoado.
Zé Cambito — o poeta
De um cangaço iluminado!
*DGPT Produções(Dan Gustavo & Mestre Gepeto)
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